RENOVAR VALORES EM PROL DA SOCIEDADE E EM BENEFÍCIO DA EDUCAÇÃO
RENOVAR VALORES EM PROL DA SOCIEDADE E
EM BENEFÍCIO DA EDUCAÇÃO
Nelson Lage da Costa
Mestre em Ensino de Ciências
É fato e inegável que a
sociedade contemporânea vive uma crise de juízo de valores, crise essa que
induz a incipientes relações de moralidade e concepções de éticas duvidosas em
seu caráter mais subjetivo, o que alguns autores contemporâneos, chamam de
pluralismo ético.
Também não se pode contestar
que vivemos em uma sociedade capitalista em que o consumo, e o estímulo a este,
é cada vez mais exacerbado. A consequência implícita desse cenário é o aumento
da competitividade e do individualismo, afetando de maneira profunda, relevante
e talvez irreversível, as relações sociais do nosso tempo. Diante desta
situação, somos levados a pensar em duas questões a serem discutidas:
- Numa sociedade atual mais “aberta”,
cujos valores ditos tradicionais, instituídos basicamente por família e igreja
estão sendo “corroídos”; como deve ser tratada a educação e a compreensão da
ética? Afinal, educar é missão de todos. Faz parte da vida. É a educação através
da família e da escola (em caráter complementar) que constroem a vida das
nossas crianças e dos nossos adolescentes. Futuros cidadãos.
- Como o conceito de ética é
teórico e subjetivo, e os valores morais de caráter prático e comportamentais, num
mundo individualista e multicultural sobrevivem, em intensa, e já sabida, crise
de valores; de que forma as mudanças na educação formal podem contribuir para estimular
a discussão, nos ambientes escolares, de princípios de moral e de ética? E de
que forma a pandemia está alterando estes estímulos?
INTRODUÇÃO
Heidegger (1889-1976) pode nos ajudar,
inicialmente, a buscar respostas para essas questões, a partir da visão que a
dimensão ética é como “uma morada, um habitar”, ou seja, os costumes (e aí a
cultura exercerá papel fundamental) determinam valores e posturas que
permanecem alicerçados em corpo e alma e guiarão as condutas para consigo mesmo
e para com os outros.
Assim, é vital que a família
retome a sua função protetora original. Forçosamente por conta da pandemia! Não
uma proteção que intencione a reclusão do ser humano ao ambiente que o cerca,
mas uma proteção limitadora que aja como fio condutor para as atitudes do
indivíduo. Atitudes que possam, de alguma forma, evitar a banalização dos
valores morais públicos (justiça, honestidade, respeito mútuo, etc.). Afinal a
família está mais próxima do que nunca esteve nos últimos 10 anos.
Segundo Foucault (1926-1984), sob a influência do
habitar de Heidegger, sugestiona que a morada do homem é uma forma de vida (estética existencial) que num mundo
inevitavelmente individualista produz no indivíduo a procura pela extrema
perfeição, ressaltando assim, o problema da dimensão ética. A esta problemática
Foucault denominou cultura das práticas de si (técnicas de si).
Desta forma, é inegável
concluir que a família é de fundamental importância para o crescimento do
indivíduo; as situações com que este se depara no convívio com sua família é
que darão a sustentabilidade e a capacidade de tomada de decisões para consigo
mesmo e para com as imprevisibilidades a que estará sujeito em seu percurso de
vida.
Podemos entender, dessa
forma, que todas as relações vivenciadas criam marcas que carregamos para
relações posteriores. Mas, nessas relações, somos sempre algo mais do que já
havíamos vivido, sem, no entanto, perder as influências que já havíamos
absorvido. Ou seja, o que Foucault deseja mostrar é que a continuidade de uma
sociedade cada vez mais egoísta, no sentido da busca de sucessos individuais é
praticamente irreversível e acentuada pela recusa em admitir que somos moldados
por heterogeneidades de relações vividas a
priori e que serão vividas a
posteriori[1].
Percebe-se assim, que moral
e ética não podem ser ensinados como conceitos “fechados”, como se fossem leis
irrefutáveis. Torna-se então essencial, e até mesmo emergencial, que se busquem
alternativas para uma renovação de valores. Valores esses que não podem ser pretensamente
consensuais a todas as sociedades, mas que sejam consentidos por cada sociedade
em suas especificidades e por todos os seus âmbitos.
Atravessamos nos dias atuais
uma crise de valores. Esta crise,
juntamente com o aumento da violência está nos conduzindo a três gravíssimas
consequências: a banalização da vida; ao aumento de respostas violentas em
resposta às humilhações e ao desconhecimento dos valores éticos públicos.
Desta forma, a educação e a
compreensão da ética só serão efetivas, se forem dinâmicas, ou seja, se forem
constantemente debatidas e atualizadas sem que haja a elaboração de uma
“cartilha”. Com a pandemia, distancia-se a escola e aproxima-se a família.
Até pouco tempo, compreendia-se
que somente a “escola” em todos os seus níveis tinha, nesse contexto, a função
de, a partir da educação, ser o agente de renovação de valores éticos e de
objetivos morais, dependendo em grande parte da atuação do professor. Mas como
dar continuidade a este processo se momentaneamente a figura do professor se
torna distante?
Remetendo a Sucupira, em Ética e Educação “...o homem torna-se o que é mediante o que ele faz e como se comporta, isto é, ele se comporta de certa maneira por causa do que tem sido.” (SUCUPIRA, 1999, p.33). Daí, a imprescindibilidade do professor também renovar e edificar seus valores.
REVISÃO E RENOVAÇÃO SOCIAL
Não é proposta, com esta modesta
análise, uma abdicação dos valores ditos tradicionais, que são considerados
fundamentais e já instituídos pelo ser humano. Também não é intenção a promoção
de que o melhor que podemos ter hoje é o culto ao prazer sem limite e a
permissividade social. Entendamos o termo renovação,
não como uma mudança integral, mas como o revigoramento de valores necessários
para uma sociedade mais justa, auxiliados pela atualização (que se fizer
relevante), dos juízos de valor que eventualmente possam ser revistos.
O objetivo maior é sim,
mostrar que as sociedades são dinâmicas e que as pessoas exercitam interações e
que, para a avaliação de princípios éticos e morais, essas características não
podem ser desprezadas. Neste sentido, Foucault representa de modo indiscutível,
o pensamento mais límpido, mais claro e mais ilustrativo do tempo em que
vivemos, sugerindo que, o que nos faz ser o que somos depende das interações
com a coletividade. Ou seja, com os rastros do passado, com os passos que serão
dados no futuro e como vamos reagir às tensões causadas pelas relações com esse
coletivo e as tensões reflexivas (tensões consigo mesmo). E, mais uma vez, a pandemia
veio nos mostrar isso: como dependemos do coletivo!
Temos que pensar que as técnicas de dominação (relações de
poder) e as técnicas de si (relações
subjetivas) devem estar em equilíbrio constante, pois o exagero da primeira,
leva para citar uma única palavra, à intolerância e, o exagero da segunda leva
a um individualismo prepotente (mínimo eu) que contribui em muito pouco para uma
ética de valorização do ser humano.
Vamos então
reafirmar aqui uma das principais contribuições de Foucault para o estudo genealógico
das subjetividades que residente na concepção do que é abrangido pelo campo da
ética. Na concepção de Foucault há uma separação de domínios: o dos códigos morais e o dos atos ou condutas.
Para
Foucault as éticas não só refletem
diferenças nos modos de subjetivação, mas participam da constituição das
subjetividades. Isto equivale dizer que as éticas são vistas como dispositivos
ensinantes de subjetivação. Elas efetivamente sujeitam os indivíduos, ensinam,
orientam, modelam e exigem a conversão dos homens em sujeitos morais e
determinados.
Para
Foucault, tanto os códigos de prescrições e proibições são históricos e
sujeitos e ampla variação, além de possibilitarem várias combinações. A pergunta
então proposta por Foucault é a seguinte:
“Como nós constituímos nossa identidade por meio de certas técnicas de si que se desenvolveram desde a antiguidade até nossos dias?” (Foucault, 1994, p.814)
Neste contexto, atrevemo-nos a afirmar que este problema pode ser resolvido, resolvendo o problema do “habitar” ou seja, “uma ética institui uma troca regulada de afetos e obrigações recíprocas entre os indivíduos”. É um “habitar sereno e confiado” que pode dar ao indivíduo uma estrutura de alicerce moral firme e sólida.
CONCLUSÃO
Para
Foucault falta-nos a morada ampla e sólida, resistente e exclusiva. A família
deixou de ser o lugar privilegiado do “social privado”. Para a mudança de
comportamento individual faz-se então necessária uma mudança no comportamento
familiar.
Em seu
livro Educação e Poder, Moacir Gadotti (1998, p.60) utiliza uma expressão de
Paulo Freire que nos atrevemos a repetir:
“... existe uma educação da reprodução da sociedade, que seria uma educação como prática da domesticação e, no outro extremo, uma educação da transformação, que seria a educação como prática da libertação”.
Falamos de
mudanças sociais, retrucamos os valores esquecidos pela sociedade. Tocamos no
assunto “pandemia”. Faltou-nos a “escola”. A escola tem sido denunciada
tempestivamente como a mais conservadora das instituições. Segundo Fabris (2001,
p. 91), a escola está presa a um tempo e espaço anacrônico e lento, a um espaço
e tempo do passado e do futuro, jamais do presente. Segundo a autora, “é como
se a escola vivesse no passado, preparando seu contingente (alunos e alunas) para
que o futuro e o presente ficassem suspensos, não existissem”. No entanto, foi
a escola a que mais se transformou nos tempos de pandemia. Afinal, quanta
transformação nas metodologias de ensino! E os professores mostraram que o ato
de ensinar carece de constante adequação. É invar para transformar!
Finalmente,
resta-nos afirmar que estas mudanças dependerão não de nós, mas dos
multiplicadores que iremos formar em nossa sociedade através das nossas escolas
e academias daqui para a frente. Sejam eles (os multiplicadores) pais, alunos
ou professores, todos deverão estar dispostos a participar da “reconstrução das
novas moradas” com formas legítimas de condutas.
Temos que ser racionalmente críticos, em busca de espaços de vivência da criação para enfrentar os conflitos cotidianos hodiernos. O futuro nos aguarda.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COSTA, N. L. A Formação do Educador no
Brasil. Qualificar a Educação – é fazê-la capaz de dar ao homem cultura. [monografia de especialização]. Rio de Janeiro: UFRJ,
2001.
FABRIS, E. H. A Educação em Tempos de
Globalização. Rio de Janeiro, DP&A Editora, 2001.
FIGUEIREDO, L. C. Foucault e Heidegger. A ética e as formas históricas do habitar (e do não habitar). Tempo Social:Ver. Sociol. USP, São
Paulo, 7(1-2), p. 136-149, 1995.
FREIRE, P. Educação como Prática da
Liberdade. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 2001.
GADOTTI, M. Educação e Poder – Introdução à
Pedagogia do Conflito. São Paulo, Editora Cortez, 1998.
SILVA, N. P. Ética, Indisciplina & Violência nas Escolas. Petrópolis, Editora Vozes, 2004.
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